Quando o jovem uruguaio Darwin Nuñez chegou ao Liverpool, lhe foi destinado a ingrata missão de substituir Sadio Mané, um dos maiores nomes da história do clube e que havia saído sem custos ao Bayern de Munique.
O inicio não foi fácil, seus 34 gols em Portugal viraram 15 na Inglaterra. Logo, chegaram as críticas: "Enganação" e "Dinheiro mal gasto" foram alguns dos termos que rotularam o atacante, que não se abateu e continuou a trabalhar. O mantra que assombrou Nuñez foram os gols perdidos, tantos que ofuscaram a sua capacidade de finalização, mas que foram responsáveis também por deixar o Liverpool fora da Champions, algo inimaginável no inicio da temporada.
A partida de Roberto Firmino junto ao futebol árabe abriu o precedente para que Jurgen Klopp trabalhasse o também sul-americano Darwin como sucessor. Ali seria o ponto de mudança, pois não só Nuñez deixaria de ser um "estranho no ninho", como também teria um melhor aproveitamento de suas características.
Jogando com mais liberdade, a inteligência sem bola se tornou sua principal arma. Não tão falso 9 como Firmino, Nuñez escolhe um lado especifico do campo por posse, se infiltra entre o zagueiro e o lateral e tenta além de confundir a marcação, abrir espaço para infiltrações e passes longos, onde muitas vezes o Liverpool fez gols em uma bola enfiada no espaço aberto pelo camisa 9.
Entre as vezes que joga mais aberto, seja pela esquerda ou pela direita, costuma jogar de forma que deixe o lateral com corredor para subir, uma vez que trás o defensor adversário para si mesmo, gerando um alto volume de finalizações. Fora isso, sua capacidade de atacar espaços e se posicionar na segunda trave lhe fornecem um maior número de finalizações.
A versatilidade do ataque do Liverpool como um todo, potencializa as características do atacante, onde o mesmo executa várias funções e posições dentro de um mesmo jogo, criando um fator surpresa nas defesas adversárias, nunca sabendo que tipo de jogada será executada e nem o local que estará em uma mesma posse. Esse tipo de movimentação permite identificar os pontos fracos da equipe adversária, indicando aos Reds os pontos precisos para um ataque.
Dentro dos nomes disponíveis para formarem o trio de frente, vejo Luís Díaz e Diogo Jota como os nomes que melhor complementam o estilo de Darwin. Jota por ter uma movimentação muito parecida e Diaz por saber explorar bem espaços, o Colombiano ainda tem um "plus" de muitas vezes circular livre, sem posição, voltando para buscar a bola, realizando tabelas e não só sendo um finalizador como também um bom garçom.
Como dupla, Díaz e Nuñez se complementam e se potencializam. Muitos gols do Liverpool foram gerados com os dois trabalhando a posse majoritariamente pela esquerda, permitindo que o meio do campo e/ou as costas do lateral esquerdo fosse explorada. O Fato dos dois gostarem muito do lado esquerdo também implica em mais campo para o Liverpool, uma vez os dois mais para um lado, o centro fica descoberto e mais simples de ser povoado pelos meio campistas, gerando posse e controle do jogo.
A nova função trouxe bastante resultado. Saiu de 4 para 11 assistências, fez uma quantidade similar de gols com menos jogos e tem algumas partidas para passar os 15 da temporada passada e se consolida como um titular crucial no esquema de Jurgen Klopp. A paciência começa a dar frutos e o talentoso e agora adaptado Darwin Nuñez cai nas graças da torcida e desfila bom futebol em Anfield.
Muitas vezes, um jogador precisa de bem mais do que paciência. É preciso de um treinador que dê respaldo e que saiba trabalhar suas melhores características, Nuñez felizmente teve isso. Uma das melhores qualidades de Klopp é a sua humanidade, uma vontade incessante de ajudar o próximo e foi graças a isso que um excelente atacante continuou recebendo chances e hoje é um xodó.
Bem mais que números vazios, Darwin Nuñez é um grande jogador de futebol, melhor até que o outrora "super goleador" do Benfica. Em uma liga melhor técnica e taticamente, a inteligência, a participação, a capacidade de ler o jogo e outras boas funções se sobrepuseram a estatísticas inflacionadas e um caminhão de gols contra times do final da tabela. Darwin é muito mais que gols, muito mais que um camisa 9, ele tem consigo a alma coletiva que todo jogador do Liverpool deve ter.
Com toda certeza é um jogador diferente do antigo dono da 9. Aquele brasileiro tinha mais categoria, era mais um falso meia do que um falso ponta, finalizava melhor e que pode ser até mais amado, mas a aura daquele cara que usa a 9 mas não é um 9, do cara que a maior qualidade é ser extremamente coletivo, do membro mais badalado do trio de estrelas, do atacante que não queria as glorias para si, mas sim ajudava os companheiros a conquista-la, permanece intacta.
Assim como Nuñez, Firmino não era um nove clássico, não tinha números espetaculares, mas ele tinha muito coração e muita vontade de ajudar. Ele, apesar de brasileiro, era um torcedor em campo, ele eram um Red em campo, coisa que é crucial nessa equipe. Bem mais que trazer um jogador que jogue de forma similar, o Liverpool acertou em trazer um jogador que pensa, age e se entrega tal qual Roberto Firmino e esse talvez tenha sido o maior acerto do Liverpool se tratando de contratação.
Tendo noção de que a contratação apesar de ter chegado para suprir a saída do Mané era na verdade um preparo para a substituição do Firmino, Klopp fez questão de preservar as características de um dos melhores trabalhos da história do futebol e ainda conseguiu fazer um jovem atleta continuar motivado apesar de um ano difícil. O alemão enxerga bem mais do que números, ele enxerga o coração de seus atletas.
Muito mais do que características táticas similares, o treinador da equipe buscou alguém que se dedicasse tanto ao Liverpool como "Bobby" se dedicou, e digamos que ele acertou em cheio. O Liverpool dessa temporada talvez seja o mais divertido de se ver jogar desde a equipe que foi campeã da Premier League, muito graças ao Darwin e todo o trabalho que foi feito para que ele se sentisse o melhor possível.
É triste saber que esse casamento não terá tanto tempo de existência. Com a informação de que Jurgen sairá ao fim da temporada, resta torcer para que esse alegre e jovem time conceda ao seu mestre uma última dança, que o bom futebol do uruguaio mais querido da Inglaterra se converta em títulos e que essa bela relação termine do jeito que sempre foi: Leve, divertida e vencedora.
Que o próximo treinador entenda a filosofia que foi implementada por Klopp e que tão bem representa a cidade operária de Liverpool. Ao não optar por estrelas e nem por comodismo, o Liverpool dá última década entrou em uma sinergia incrível com a história e cultura de sua cidade e isso passou para os atletas, que apesar de muito craques, não buscam brilho, dividem o protagonismo e levam bem a sério o "união faz a força".
O talento de Darwin não pode ser reduzido a um poste dentro da área e nem o coletivo do Liverpool reduzido a filosofias baratas ditas por falsos sabichões, tanto o clube quanto o atleta precisam ter sua mentalidade e personalidade intactos, para que os mesmos continuem representando tudo o que o clube prega.
Muito mais que um camisa 9, Nuñez é um jogador taticamente completo, versátil e inteligente. Sem se prender a números baratos, percebamos por meio de jogo o quão bom ele é, o quão bem ele executa suas funções e o quão "Liverpool" ele é dentro de campo. Os Reds não precisam de um cone sem graça, eles precisam de vibração, coletivo e entrega, tudo nisso num pacote de muita qualidade e revestido num coque samurai e na camisa de número nove.
Sem se prender a pragmatismos, é muito bom vê-lo jogar. Completo e identificado, se desprendeu de rótulos e criticas para brilhar e ajudar seu time a brilhar. Que Darwin Nuñez continue jogando seu bom futebol, que ele continue servindo e sendo servido por seus colegas, que possa vencer títulos e que alongue cada vez mais a sua história e a sua galeria de trofeús em Anfield.
*As opiniões aqui emitidas são de total responsabilidade de seus autores e não necessariamente refletem a opinião do Dimensão Esportiva.
Comentarii